quinta-feira, 26 de março de 2009

O Perigo que ronda a democracia – uma outra visão

Não sou sociólogo, nem do MST e nem tenho a “missão” ou autorização desses profissionais ou MST para responder pelos mesmos. Mas ao ler o artigo “O perigo que ronda a democracia” do engenheiro e empresário Adauto Medeiros, publicado no dia 26 de abril, me senti tentando a um debate. Inicialmente parafraseando o personagem do falecido Francisco Milane, da escolinha do professor Raimundo, devo dizer ao engenheiro que “há controvérsias”. Mas como possivelmente diria Jack, o Estripador, “vamos por partes”.
O primeiro ponto. O MST não foi apelidado de movimento social pelos sociólogos. O MST se inclui na categoria de movimento social por apresentar características inerentes e próprias ao conceito. Não foi “apelidado”, mas denominado como movimento social por inúmeros estudiosos, e não somente pelos sociólogos. A ironia do “muito culto”, utilizado pelo empresário, não se aplica aos sociólogos. Quanto ao fato do PODER se constituir no objetivo do movimento, devo informar que tal objetivo é comum, não somente à parte do movimento social, mas muito mais aos partidos políticos, aos parlamentares e a uma elite conservadora, que não aceitam dividir, nem perder um centímetro do espaço do poder. Vejam a encarniçada luta pelo poder que se trava entre PSDB-PFL e PT, ou mesmo as lutas fratricidas internas nesses partidos. Não se trata de conflito pela moralidade, pela dignidade, pelo bem público e pelas melhorias das condições de vida do povo. Trata-se de uma luta pelo poder.
O Segundo ponto. As massas desempregadas são utilizadas também pelo empresariado, pelos lideres religiosos e pelos políticos das diversas matizes com objetivos nem sempre claros, nem sempre dignos. Quanto ao financiamento ocorrer com dinheiro do contribuinte, devemos lembrar que são os trabalhadores, dentre eles, os que também fazem parte do MST, que pagam impostos no Brasil. Creio ser desnecessário lembrar que a estrutura tributária brasileira é regressiva e em sua maior parte, via impostos indiretos, ou seja, recaem prioritariamente sobre o consumo e sobre a classe trabalhadora. Os mais pobres pagam relativamente mais, do que os ricos. Além disso, também é desnecessário lembrar que empresário repassa os impostos cobrados dos trabalhadores ao governo. O trabalhador compra um produto, no qual já vem embutido os impostos que o empresário repassa - alguns nem repassam - ao governo. O trabalhador normalmente é taxado na fonte, não pode nem sonegar o imposto. Individualmente o empresário paga relativamente menos do que o trabalhador.Terceiro ponto. Falar de invasão é complicado. O MST fala de ocupação. Afinal quem é o invasor. Não seria o homem branco, que invadiu a terra de Vera Cruz e dizimou os nativos que aqui se encontravam há séculos? A lei de terras no Brasil passou a vigorar em 1850, ou seja, só se comprou e vendeu terras a partir dessa data. Antes, foram as sesmarias, que se transformaram em ocupação realizadas pelos desbravadores e apropriadas por coronéis que se transformaram, em alguns casos, em empresários e políticos, que ainda resguardam seus currais. Talvez os Engenheiros não saibam desses fatos, por que no curso de engenharia se estuda muito pouco de historia, sociologia, filosofia etc.
Quarto ponto. Falar que essa “gente” é mantida pela sociedade, mostra um viés preconceituoso e discriminatório. Afinal essa “gente” também não faz parte da sociedade? Trabalhador desempregado é gente, mas não faz parte da sociedade? Só é sociedade os empresários, os políticos e os ricos?
Quinto ponto. Não são vítimas? Ora, caso se conceda aqueles trabalhadores condições de vida dignas, será que ficariam no movimento? Lembro uma ex-sem terra, que apareceu em uma novela global, tirou a roupa para uma revista masculina, ganhou dinheiro e se tornou “estrela” da TV. Pergunta-se, por acaso ela continua ocupando – ou invadindo – terras? Evidentemente, ninguém pagaria nada ou muito pouco para ver Zé Rainha pelado. Ninguém ocupa terra por diversão ou por brincadeira. Ninguém gosta de correr o risco de ser assassinado. Mas seriam os trabalhadores do MST perigosos facínoras? Quantos latifundiários têm sido assassinados no conflito agrário brasileiro por ano? E quantos latifundiários morreram em Eldorado dos Carajás? Devem ter sido muitos, embora não me lembre de nenhum. E quantos trabalhadores, sejam do MST ou simples trabalhadores – freira e padre contam também - morreram no conflito agrário? É preciso citar os nomes? Vejamos, Margarida Maria Alves, Pe. Josimo, Chico Mendes, os 19 mortos em Eldorado, a freira norte-americana ou os diversos sindicalistas rurais. Já são milhares de mortos desde os anos 1970. Mas poderemos pensar assim: “Esses que morreram são perigosos e são os verdadeiros culpados pelas suas mortes. São comunistas, comedores de criancinhas”. Assim aliviamos nossas consciências, nos engando..
Sexto ponto. Comparar diretamente o MST com as FARC e com o movimento indígena de Chiapas demonstra desconhecimento total da realidade política desses paises e desses movimentos. A mídia eletrônica, em especial a TV, não apresenta muito bem esses movimentos, afinal a mídia pertence aos empresários e não aos trabalhadores. Quanto à democracia estável, pode-se perguntar estável para quem cara-pálida? Afinal, enquanto os trabalhadores estiverem submetidos às elites tudo bem. Mas se contrapor, por minimamente que seja a ordem estabelecida, gera-se uma “guerra santa”, na qual o “dragão da maldade” dos trabalhadores deve ser aniquilado pelo “santo guerreiro” das elites. “Santo Bonhauser” já nos dizia que ficaria livre dessa “raça”. Que raça? Trabalhares, pobres, nordestinos, petistas? Se for somente petistas, menos mal. “Santo Cardoso”, em cadeia nacional dizia que pobre quando chega ao poder só faz M. Mas, só faz M. para quem? Pergunte aos nove milhões de pobres que recebem ajuda governamental frente aos dois milhões do período de FHC.
Sétimo ponto. Concordo como o empresário e engenheiro sobre o fato de que reforma agrária é mais do que “dar” terras a pessoas sem preparo e sem dinheiro. Reforma agrária é muito mais do que isso. Historicamente, os principais paises capitalistas já realizaram suas respectivas reformas agrárias. A dos Estados Unidos ocorreu ainda no século XVIII. Por isso o Brasil está atrasado. Reforma Agrária séria contribui para a expansão do mercado interno, ampliando o poder aquisitivo da classe trabalhadora e conseqüentemente as possibilidades de vendas e lucros dos capitalistas, embora muitos capitalistas não enxergue isso, principalmente os latifundiários.
Oitavo ponto. Falar em “preferência ao setor público (funcionários) em detrimento do investimento na industrialização” é desconhecer a historia, a economia e a política brasileira. Devo lembrar aos leitores desse jornal, do qual sou um, que o Brasil realizou um dos mais rápidos processos de industrialização no mundo. Esse processo foi alavancado por Getulio Vargas, contra a vontade de muitos empresários e políticos do antigo acordo do Café-com-leite, que vigorou até 1930. JK e o militares acentuaram esse processo. Nos anos 1980 e 1990 ocorreu um arrefecimento do crescimento econômico brasileiro devido a vários fatores que não vale a pena discutir aqui. Somos hoje a décima primeira economia mundial. Devo lembra que o setor público no Brasil foi, é e continuará sendo muito importante nesse processo. Não sabe alguns empresários, que foi o setor público que permitiu o crescimento da industrialização no Brasil. Foi o setor público quem possibilitou que a iniciativa privada chegasse ao nível que aqui chegou. Para comprovar o que digo, que se leia algum bom livro de desenvolvimento Econômico Brasileiro. Quanto ao funcionalismo, esse tem trabalhado pelo país. Muito mais do que alguns empresários que apenas lucram. Os funcionários públicos são indispensáveis para o funcionamento da economia em qualquer parte do mundo. Nos E. U. A. existem proporcionalmente mais funcionários públicos do que no Brasil, e lá se encontram os arautos do neoliberalismo e da redução do setor público.
Nono ponto. A democracia brasileira, ou melhor a sociedade brasileira, da qual fazem parte os trabalhadores, sempre financiou os partidos, as igrejas, o empresariado, as universidades, as escolas etc. Ruim é financiar segmentos que depois de muito lucrar vão gastar em Miami. Garanto que são poucos os trabalhadores que vão a Miami.
Décimo ponto. Quero lembrar que a sociedade é composta de inúmeros segmentos. E não existe um bastião da moralidade e da ética. Tanto dentro do MST tem indivíduos comprometidos apenas com seus ganhos pessoais, como entre os empresários, entre os professores universitários, entre os padres e pastores, entre os parlamentares etc.. Não devemos pois ser maniqueístas, achando que o MST é tudo de ruim, ou tudo de bom. No MST, provavelmente, tem maoísta, mas também têm castrista, leninista, anarquistas, cristão, pobres, trabalhadores, seres humanos. Da mesma forma entre os sociólogos, há os cultos, os não cultos, os democratas, os liberais. Creio que entre os engenheiros e empresários da mesma forma. Entre os professores universitários eu garanto que existem as mais diversas matizes. Por fim, o MST não tem o interesse de destruir a democracia brasileira, talvez reformá-la. Como é um intuito de muitos. Por que podemos no perguntar, existe de fato uma democracia no Brasil? Se democracia for entendida grosseiramente como o poder de escolha, então a democracia no Brasil existe somente para os ricos, pois eles podem escolher de fato. Quanto aos trabalhadores, será que escolhem de fato? Ou se deixam dominar pela necessidade? Escolhemos nossos governantes, ou somos comprados pelos mesmos? Quantos votos são comprados e vendidos devido às necessidades sócio-econômica dos mais pobres? Temos poder de escolher: onde morar, onde trabalhar, onde estudar, em quem votar, a que horas chegar no trabalho? Democracia, povo no poder. Onde? Alguém pode me responder. O período real da pseudo-democracia brasileira consiste na absurda concentração de renda, cuja responsabilidade é em sua maior parte das elites brasileiras, que não aceitam repartir o bolo. Essa concentração de renda gera os movimentos sociais mais radicais. Graças a Deus a radicalidade no Brasil não chegou ao nível do Kramer Vermelho na Tailândia, quando os oprimidos mataram todos aqueles que sabiam ler ou escrever, por julga-los da elite.

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